domingo, 30 de setembro de 2012

Capítulo 15

- Nossa, eu tenho mesmo que passar por isso?

Perguntei enquanto abria a porta do apartamento, sem olhar pra cara dela. Vendo que eu ia entrar sem dar atenção a sua baboseira, Inara segurou no meu braço e disse:

- Sim! E não desisto até você parar, sentar e me ouvir, até o fim.

Como eu pude me meter numa merda dessa? Parece que o mundo inteiro conspirava contra mim, desde o dia que nasci. Respirei fundo e percebi que não tinha escolha, ou eu falava com aquela chata, ou ela ia me infernizar em todos os lugares que fosse. Empurrei a porta e disse " entra aí " , com um ar bem escroto. Entramos e fui logo pegando meu cigarro, pra enfrentar aquele papo que já parecia que ia ser longo. Começamos de maneira ríspida ( eu comecei de maneira ríspida, ela ficou sendo a boa moça de sempre, com sua vozinha enjoada, doce,meiga e meio trêmula, talvez fosse pelo nervosismo de ter que conversar comigo sobre tal assunto).

- Você fuma desde quando?
- O que você queria falar comigo?
- Olga, é muito difícil tocar nesse assunto, acho que é constrangedor tanto pra você, quanto pra mim, mas quero que saiba que só estou aqui por que me sinto muito culpada com tudo isso, e quero que as coisas fiquem boas entre nós duas. 
- Prossiga, mas sem muito desse blá blá blá de culpa, por favor.
- Às vezes o mundo é uma grande porcaria Olga, mas isso acontece por que existem muitas pessoas ruins ...
- Espera! Tá me dizendo que o mundo é uma merda por que existem pessoas ruins? É isso o que tá dizendo pra mim? Mas me explica, essa conversa fiada vai chegar onde? Não tô com muito saco pra ficar aqui ouvindo coisas desse tipo, sabe? Se você tiver algo de concreto pra me dizer, então diz logo, por que preciso ir fazer outras coisas.
- Antes que você seja novamente grossa comigo, preciso que saiba que gostaria que me escutasse até o fim, mesmo que ache baboseira tudo o que vou dizer, escute tudo, até o fim e depois fale qualquer coisa que quiser.

Fiquei calada, e ela prosseguiu.

- Como eu ia dizendo, o mundo é ruim às vezes, por que pessoas ruins aparecem e nos fazem sofrer, mas o Cézar é diferente, sabe? Ele é uma pessoa realmente boa, é o tipo de pessoa que nasce pra fazer desse mundo um lugar melhor pra alguém, ou pelo menos pra fazer o mundo de alguém melhor. Ele apareceu pra mim, e me mostrou que tem coisas nessa vida que ainda valem a pena, admito que se não fosse por você eu jamais teria o conhecido, e te agradeço singelamente por isso, sério, graças a você eu conheci uma pessoa maravilhosa. O que aconteceu foi que nós nos identificamos de uma maneira inexplicável, nos apaixonamos, é um sentimento fortíssimo, e falo de atração física e emocional, o calor do momento nos fez fazer o que não devíamos, fomos pro seu quarto, na hora eu não pensei em nada, eu só queria estar com ele, sabe? Acho que ele sentiu o mesmo, pois também não exitou, eu não estava bêbada, nem ele, fizemos aquilo por puro calor do momento, a necessidade de ficar juntos naquela hora falou mais alto que qualquer decisão sensata que poderíamos tomar. Nós fomos a um restaurante, e na volta eu o convidei pra tomar um café aqui, mas juro que não tinha a intenção de transar com ele no seu quarto, era só o café mesmo. O resto você já deve saber. Estou aqui agora, pra te dizer que se você quiser que eu vá embora da sua casa, eu vou, agora mesmo se você decidir, pois a casa é sua e eu fiz uma coisa que não devia. Te peço desculpas pelo constrangimento, pelo ato libidinoso, pelo falta de sensatez, pela falta de consideração por você e pelo abrigo que você me deu quando precisei, e também por qualquer outra coisa que fiz e você não tenha gostado, estou profundamente arrependida de ter te sacaneado,aliás, estamos! Cézar também está arrasado com a situação. E quero que saiba que seja qual for a sua decisão, eu entenderei perfeitamente, e não terei mágoa alguma de você. É isso.

Mágoa? Porque ela teria mágoa? Eu não fiz nada a ela. Eu sou só a vítima de toda a sacanagem. Vítima! Vítima, gostei da palavra.

- Eu sou uma vítima Inara - Falei - Vítima da sacanagem de vocês dois, acho que vocês tem noção disso. Como você mesma disse, essa conversa é dificílima, e sinceramente eu não queria estar tendo-a agora, mas já que você veio até mim, e também está hospedada na minha casa, infelizmente preciso passar por isso. 

Levantei do sofá que sentamos e fui até janela, dei dois tragos no cigarro, enquanto olhava pelo vidro, e tomei minha decisão:

- Fique aqui até arrumar outro canto, como já tínhamos combinado, te desculpo pelo que fez, desculpo você e Cézar, mas espero que nem um episódio parecido volte a acontecer.

Inara deu um gritinho de felicidade, bateu palmas e falou que estava muito feliz por eu tê-la perdoado, fez o seu discurso de boa moça, dizendo que eu era uma grande amiga e perder minha amizade aquela altura da sua vida seria algo devastador. Puf. Essa puxação de saco me embrulhava o estômago. Ela levantou e falou que ia encontrar Cézar para contar a novidade ótima. Argh! Que menina chata. Logo depois que ela saiu me joguei no sofá, e fiquei me questionando o motivo pelo qual tinha aceitado que ela continuasse morando comigo, eu estava começando a pegar uma certa raiva daquela cara de boneca americana dela. Mas como sempre fui uma grande otária, fazendo o que não queria exatamente. Lembrei-me da senhora Bulamarque, tomei um banho, pus uma roupa preta, prendi os cabelos peguei minha bolsa, joguei meus cigarros que já estavam chegando ao fim dentro dela e fui para o apartamento da senhora Bulamarque. Todos ainda estavam lá, chorando a saudade da velha senhora, ninguém veio até mim dessa vez, nem a sobrinha dela, fiquei sentada num banquinho até a hora em que seu caixão chegou, aí foi aquela choradeira horrível, tinha gente desmaiando, tinha gente soluçando, tinha gente olhando pra cima, pra não ver o caixão. E eu? Fiquei no mesmo lugar, por pelo menos mais 35 minutos. Quando estava decidida a ir embora o senhor Onório chegou e sentou do meu lado,segurou minha mão e deu um sorriso frouxo, como se quisesse me dizer pra ficar com ele. Fiquei. Passamos maior parte do tempo calados, olhando pro chão, por várias vezes tive a impressão de que o senhor Onório chorava, pois ele passava os dedos debaixo dos olhos, como se enxugasse lágrimas. Levantei do meu banquinho e andei até o caixão, olhei bem para o rosto daquela senhora, sua expressão era de serenidade, usava um baton meio rosado, deixando sua aparência de vida bem resplandecente, parecia que dormia e sonhava com algo bonito. Fiquei feliz por vê-la tão tranquila, afinal, mostrava que sua morte não tinha sido dura e sofrida. Chorei também, não tinha como não chorar, era mais uma pessoa que eu perdia pra sempre, alguém que era bom pra mim, alguém que se preocupava em cuidar de mim, era triste. Visando todas as coisas boas que a senhora Bulamarque já havia feito por mim, decidi não ir no enterro, a imagem que eu queria que ficasse na minha memória era aquela que estava bem na minha frente, só acrescentei com a imaginação uma cama, ao invés de um caixão. Pronto. A última imagem que eu iria guardar daquela boa senhora era a imagem dela dormindo, sonhando com seu marido e filho, com um sorriso de alívio. Fui pra casa. Me joguei no sofá novamente e chorei todas as lágrimas que poderia existir dentro de mim, chorei até meus olhos doerem, fumei todos os cigarros que ainda me restavam e depois dormi. Sonhei que a senhora Bulamarque vinha até mim, e me dizia uma frase apenas, uma frase linda, que jamais irei esquecer: " Sonhe e acredite boa moça, você é capaz". 

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