sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Capítulo 14

Eu não conseguia parar de gritar e olhar aquela cena dos infernos, os dois estavam alí na minha cama, sem roupas, usando o meu espaço íntimo para as intimidades deles! Tive vontade de arrancar aquela branquela pelos cabelos dalí, jogá-la pra fora do meu apartamento e dar um chute nos culhões daquele cara miserável. Se queria transar com ela, por que tinha que ser no meu quarto e na minha cama? Eles ficaram alí, tentando explicar, falando coisas sem nexo, enquanto eu gritava loucamente todos os palavrões que vinham a minha mente, sem pensar na cena ridícula que estava sendo protagonizada por mim. Essa foi a parte mais foda de toda a história, no fim das contas, quando tudo aquilo terminasse, eu que seria a maluca que grita e faz escândalos horríveis. Mas nada disso passou pela minha cabeça naquele momento de fúria, eu só queria xingá-los e fazê-los darem o fora da minha cama, e era só nisso que eu pensava. Continuei com os gritos.

- CARA, QUE MANCADA FOI ESSA? QUE PUTARIA! SIM, ISSO PRA MIM É PURA PUTARIA! POR QUE VOCÊS NÃO FORAM A UM MOTEL OU QUALQUER OUTRO LUGAR? TINHA QUE SER NA MINHA CAMA? E VOCÊ HEIN, INARA? SEMPRE TÃO SENSATA, ME FAZENDO PASSAR POR ESSA SITUAÇÃO? ISSO NÃO TE ENVERGONHA?

Eles ficavam lá, tentando se explicar de alguma maneira, mas só conseguiam gaguejar enquanto eu dava meu showzinho. 

- DEEM O FORA DO MEU QUARTO E DA MINHA CAMA AGORA MESMO! SAIAM DAÍ! TENHO CARA DE DONA DE MOTEL? POSSO TER CARA DE IDIOTA, MAS NÃO EMPRESTO MINHA CAMA PRA FILHO DA PUTA NEM UM TRANSAR. SAIAM!

Depois que eu disse - gritei - tudo isso, saí do quarto e me tranquei no banheiro, enchi a pia de água e enfiei a cara lá, eu chorava feito uma doida, e na minha cabeça tinha uma confusão de pensamentos que incluíam a Senhora Bulamarque, Inara e Cézar. Não sei ao certo quanto tempo fiquei no banheiro, mas quando saí de lá , nem Cézar e nem Inara se encontravam mais no apartamento. Achei melhor, muito melhor! Não tive coragem de entrar no quarto, deitei no sofá e acendi um cigarro, eu precisava do meu uísque, mas não tinha grana pra ele. Quando dei por mim, era de manhã, mais de meio-dia. Não fui trabalhar, nem me preocupei com isso, tomei um banho e fui até o quarto para me trocar. A cama ainda estava bagunçada, e parecia que o cheiro dos dois ainda estava no meu lençol. Abri a janela e joguei pra rua os lençóis e fronhas que eles usaram. Deixei a janela aberta, pra que o cheiro de foda saísse de uma vez. Me troquei rapidamente e fui até o apartamento da Senhor Bulamarque, saber de seu estado. Quem abriu a porta foi uma moça, devia ter lá pelos 22 anos. Foi educada, quando me identifiquei e disse o que queria, ela me convidou pra entrar, me ofereceu um café ou chá. Aceitei o café. Tivemos uma conversa rápida, ela me contou que era uma sobrinha da Senhora Bulamarque, e veio para esperar o resto da família, contou também que desde a morte de seu marido e filho, a Senhora Bulamarque se afastou de todos os familiares, e nunca contou a ninguém o local pra onde havia se mudado. Só dava breves telefonemas às vezes, mas que logo eram finalizados quando algum parente pedia o seu endereço. Contou também que estava triste com a situação, pois sua tia era uma mulher boa, não merecia tanto sofrimento. Pedi para ver a Senhora Bulamarque, mas a moça me disse que ela havia acabado de conseguir pegar no sono, achava melhor não atrapalhar. Concordei. Voltei pra casa, resolvi ligar pra lanchonete e dizer o motivo pelo qual não tinha ido trabalhar. Senhor Alberto me atendeu e eu contei sobre a velha senhora doente, ele entendeu e disse que não ia descontar o dia, achei maravilhoso. Quando fiquei com fome fui até a cozinha procurar algo pra me alimentar, havia um resto de risoto em uma panela, na certa Inara cozinhou antes do seu ato libidinoso da noite anterior. Esquentei e devorei tudo, assim que acabei de comer acendi outro cigarro, e sentei no sofá, liguei a tv e fiquei assistindo um filme antigo que estava passando, parecia que tudo tinha voltado pro seu lugar, nada de Inara, nem Cézar, nem doenças terminais, nadica de nada. Era só eu e meu cigarro. Na realidade aquilo era tudo o que eu mais queria, que todos sumissem e minha vida voltasse a normalidade dela. Chatisse ter que cuidar de todos esses problemas, chatisse ter que aturar um bando de gente hipócrita querendo se fazer de bonzinho, chatisse ver que gente boa de verdade tá morrendo, enquando esses filhos da puta aí continuam com saúde de ferro. Chatisse. Minha campainha tocou, e eu pensei seriamente em não atender, mas fazer o que né? Levantei e pude ver pelo olho mágico que era Inara, com aquele ar de coitadinha. Ah, cara! Podia ficar pior? O que mais essa mulher queria? Coloquei a mão na maçaneta. mas não abri, resolvi que não era a hora de ter que me dar com aquela situação. Logo Inara começou a bater na porta e me chamar pelo nome, não adiantou ficar só na campainha. Mesmo assim não abri a porta, e ela permaneceu batendo por uns 7 minutos, depois coçou a cabeça e saiu. Fiquei muito aliviada, muito feliz por ter ficado sozinha. Deitei no sofá e dormi, acordei com o barulho da campainha novamente, achei que era Inara, levantei disposta a abrir a porta e mandar aquela branquelo pro inferno, mas quando abri não era ela. era o senhor Onório, com os olhos cheios d'água, ele segurou minha mão e num ato de muito sofrimento balbuciou as seguintes palavras:

- A senhora Bulamarque se foi, Olga. Acabou de falecer.

Paralisei. A senhora Bulamarque havia morrido, e eu nem pude vê-la pela ultima vez, e agradecer por todas as coisas boas que ela já fez por mim. Apenas balancei a cabeça de maneira afirmativa e fechei a porta. Eu não sabia o que fazer a partir dalí, mas achei que ir até lá e confortar a sobrinha daquela pobre mulher seria a coisa mais digna naquele momento. Entrei no apartamento da senhora Bulamarque de cabeça baixa, já haviam levado o corpo da senhorinha para o necrotério, e também já haviam alguns parentes dela alí, todos choravam, inclusive a sobrinha dela. Sentei num canto da sala, enquanto via todas aquelas pessoas pegarem fotos da senhora Bulamarque e chorarem escandalosamente, alguns choravam baixinho, mas todos derramavam suas lágrimas de sofrimento. Como uma pessoa tão boa pode ir embora deixando tantas outras tristes e desoladas? Por que ela? Eu poderia muito bem ter ido no lugar dela, afinal, eu não fazia nada de mais, não ajudava ninguém, não causava alegria a ninguém, por que ela? Pobre senhora, pobre família. Senti algo quente no rosto, passei a mão e vi que era uma lágrima, eu estava chorando mais uma vez, o que não era muito normal, já havia chorado muito pra uma semana. A sobrinha da senhora Bulamarque veio em minha direção e se sentou ao meu lado, conversamos.

- Não precisa chorar, ela está bem agora. - Disse ela. 
- Como pode ter tanta certeza? 
- Agora ela está bem onde queria, com o seu marido e filho.
- Isso é bobagem...
- O quê é bobagem?
- Vocês ficam dizendo que vão encontrar seus familiares mortos e vão ser felizes. isso não existe! Como podem dizer algo tão , tão, tão idiota?
- É isso o que você acha? Que é idiota?

Balancei a cabeça afirmando a minha tese, enquanto a moça se levantou e deu 4 passos pra longe, depois parou, virou-se e voltou a sentar do meu lado, falando:

- Você pode achar uma idiotice, mas minha tia não achava, e tenho plena certeza que você não disse na cara dela que achava isso. Saiba que não me atinge e nem a atinge quando diz isso, cada um crê no que quer. Minha tia tinha um motivo para sorrir diante da morte. tinha a esperança de encontrar pessoas que a fizeram infinitamente feliz, e quando eles se foram o mundo de alegria dela se apagou, e tudo ficou cinza diante dos olhos dela. Por anos minha tia não teve a que se agarrar , a não ser em lembranças boas e singelas dos momentos tão contentes que teve com seus amores. Esperou seu momento de morte chegar como quem espera o nascimento de um filho, e quando esse momento chegou, ela estava serena, estava em paz, por que tinha esperança que em algum lugar do mundo havia um pedaço esperando por ela, pra que continuasse bem de onde parou sua vida, sendo feliz novamente. Se você não tem em que se agarrar, sugiro que procure logo logo, por que a vida da gente tem um fim, e viver de maneira automática, vendo os dias passarem sem esperar nada é muito triste. Então se você não tem nada que te faça sorrir em vida, então pense no que poderia te fazer sorrir após a morte, pode ser que lá tenha um lugar feliz esperando por você.

Se levantou e terminou seu discurso dizendo:

- Todo mundo tem seu lugar de felicidade, seja em vida ou em morte.

E voltou para os braços de seus parentes. Eu permaneci sentada, esperando as palavras daquela moça saírem da minha cabeça, mas não saíram, então fui pra casa. Quando cheguei na porta do meu apartamento vi Inara sentada no chão, junto à porta. Quando me viu, se levantou e sacudiu a saia, limpando a poeira. 

- Preciso conversar com você Olga. 

Aaaaah, saco de mulher!

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