domingo, 9 de setembro de 2012

Capítulo 13

O dia seguinte foi pesado, acordei com raiva da vida, com vontade de não existir, não sei se era ciúmes ainda, ou se era por falta da tequila, sei lá. Inara continuou dormindo, de ressaca, e eu fui me aprontar para o trabalho, não tomei café, mal penteei os cabelos, sei lá, queria que tudo se fodesse. Ao rodar a chave da porta vi o bilhete de Cézar novamente no chão, olhei pra ele por 6 segundos, e fui embora, no caminho pensei no quanto a situação era embaraçosa. em tudo o que estava acontecendo, comecei a me achar burra, como eu fui deixar Cézar olhar para Inara? Aquela moça tão linda que encantava todo mundo? Puf. Não faço nada certo. Cheguei na lanchonete de cara amarrada, não quis papo, não dei atenção para o Messias, não quis saber das fofocas matinais, só trabalhei, trabalhei e pensei. As horas passaram voando, era hora de ir pra casa, fui andando devagar, eu só queria pensar que talvez o Cézar não estivesse tão interessado assim em Inara, talvez fosse só uma empolgação... Mas quando lembrava do conteúdo do bilhete, pensava que era bem mais do que um encanto passageiro. Cheguei em casa e Inara estava sentada no sofá, pernas juntas, cabeça baixa e cabelos devidamente amarrados em um rabo de cavalo líndíssimo! Joguei a bolsa ao lado dela e sentei logo puxando assunto, tentando parecer normal.

- Nossa, tô exausta, muito trabalho hoje, muita coisa pra fazer, você faz falta naquele lugar! Acredita que até hoje não colocaram ninguém no seu lugar? 
- Verdade? - Ela disse, sem me olhar.
- Sim! Você pensa que mais alguém quer trabalhar naquele lugar, tendo o Messias como gerente e filho do dono? Não não não.

Percebi que Inara não estava normal, algo estava acontecendo, não perguntei, como já disse, não gosto dessas ondas de ficarem se metendo na minha vida e nos meus pensamentos, e por isso não meto nos pensamentos de ninguém. Tirei os sapatos e me preparei para levantar do sofá, Inara segurou meu braço com uma mão, e com a outra me entregou um papel, o bilhete de Cézar. Sabem o que eu fiz? Eu li novamente, fazendo cara de espantada e sorrindo ao mesmo tempo. Entreguei de volta o papel, abaixei-me, peguei meus sapatos e andei em direção ao quarto, Inara se levantou e disse:

- Olga, o que eu faço?

Respondi com naturalidade:

- Sobre o quê, mulher?
- Você não tá vendo que o Cézar quer me ver de novo? Tô com a consciência pesada, isso não era pra estar acontecendo.
- E por que não? É completamente normal um homem e uma mulher se interessarem um pelo outro, ou não vai me dizer que você gosta de ... cê sabe... tipo ...
- Tá perguntando se sou lésbica? Não! Tá maluca? É que você queria conhecer o Cézar, e eu fui querer dar uma força e agora o cara quer me ver e sei lá, isso pode te chatear.
- Inara, cala a boca, eu só queria devolver a caixa dele e por curiosidade vê-lo pessoalmente, não passa disso. Ok? Se você estiver com vontade de vê-lo, vá lá, se não quiser, dê o fora nele e ponto final. Eu não me importo de você sair com ele de novo, não tô afim dele, se é o que está pensando, estamos conversadas?
- Mas Olga, não está certo.
- Sabe o que não está certo? Você ficar me enchendo o saco com essa conversa de adolescente, sendo que eu não tô nem aí pra esse cara, nem aí pro fato de ele querer te ver e sei lá, isso nem da minha conta é! Liga pra ele e marca de sair, ir na rua é bom pra curar ressaca. 

Saí da sala de coração apertado, mas acho que consegui enganar e disfarçar bem. Me joguei na cama e chorei muito, não sabia o por que das lágrimas, mas elas rolavam e rolavam no meu rosto, não paravam, até que adormeci, sonhei com a casa onde morei quando criança, sonhei com a minha mãe, fui feliz no sonho. Acordei com o barulho da campainha, abri a porta do quarto bem devagar, abri o suficiente pra ver que era Cézar, fechei de novo. Chorei de novo. Pra quem estava com peso na consciência, até que dava pra suportar muito bem, já que na mesma noite ela ligou para o Cézar, e lá estava ele, de novo na minha casa.  Me questionei várias vezes se eu era burra assim mesmo, ou se aprendi a ser com o passar do tempo. Sei lá. Eles saíram, chorei de novo, não vi mais nada até o dia seguinte. Acordei e Inara estava dormindo ao meu lado na cama, não parecia ressacada, mas tinha um sorriso bobo, que parecia vir de um sonho bom. Diaba! Essa menina era uma Diaba! Eu estava bem antes de tentar ajudar essa vaca, e agora ela está roubando um homem que deveria ser meu! Respirei, depois comecei a rir. Que porra de '' meu ''? O cara não estava nem aí pra mim, mesmo que eu tivesse entregado a caixa pra ele, ainda sim ele não estaria interessado. O problema estava todinho em mim, eu que não era interessante, nem bonita, nem tinha uma luz vinda do olhar e nem nada desses blá blá blás que ele admirou em Inara. Trabalhar não me ajudava a esquecer os problemas, mas era o que deveria fazer, era minha obrigação. Caminhei lentamente até o banheiro, tomei um banho demorado e nem fui ver a hora. Quando saí do meu apartamento, dei de cara com o Senhor Onório saindo da casa da Senhora Bulamarque. Ele me cumprimentou com um singelo " oi ", e eu apenas balancei a cabeça. Na lanchonete era toda a mesma porcaria de todos os dias, mas com um pequeno detalhe que me deixou feliz: achei uma carteira inteirinha de cigarro em uma das mesas, algum cliente bobalhão deve ter esquecido. Fumei três cigarros no caminho de volta pra casa, satisfação boa a que o cigarro causava em mim. Cheguei em casa e não tinha ninguém, quer dizer, a senhorita '' olhar iluminado '' não estava. Fiquei tranquila, eu sabia onde ela estava e sabia com quem estava. Mais uns cigarros pra acabar com a fúria dos pensamentos escrotos. Cerca de meia hora depois ouvi batidas na porta, pensei que fosse Inara, até pensei em não abrir a porta, mas quando dei por mim estava lá, com a mão na maçaneta. Era o Senhor Onório. Assustei-me com a visita, quando queria me cobrar o aluguel deixava um bilhete ao pé da minha porta. Não precisei dizer nada, ele foi logo dizendo o que queria.

- Olga, sei que está meio tarde para pedir qualquer tipo de favor, aliás, está tarde até para bater na porta de uma moça solteira, mas é que realmente precisa da sua ajuda.

Abri a porta mais ainda, para que ele pudesse entrar. Sem rodeios ele foi logo entrando e terminando sua frase.

- A Senhora Bulamarque não está nada bem, está doente, e não tem parentes por aqui, tenho cuidado dela o máximo que posso, mas acho que está em fase terminal, preciso agilizar certas coisas, você sabe, caixão,funeral... Nossa, nem acredito que estou dizendo isso.
- Como assim? - Interrompi completamente espantada - O que ela tem? Por que não vai ao médico? Céus! Que doença ela tem?
- Já conversei muito com ela nesses três últimos dias, ela acha que já chega de tanto sofrer, estamos acreditando que seja algum tipo de câncer, que a faz despejar de volta tudo o que come. Na verdade, eu só vim até aqui te pedir para cuidar dela esta noite, por que preciso muito ir a procura de parentes ou conhecidos dessa pobre mulher.

Pensei por alguns segundos, era estranho, era amedrontador, eu não queria ver alguém tão legal comigo numa situação como aquela, mas também queria ajudar. Resolvi que ia, era algo que com certeza eu devia aquela pobre senhora, sempre tão generosa. Levantei do sofá acompanhada do Senhor Onório, ele me levou até o apartamento da Senhora Bulamarque e abriu a porta bem lentamente, me olhou com um olhar de agradecimento, entrei e fui andando devagar até o quarto dela. O apartamento inteiro estava gelado, como no filme '' O exorcista '', senti medo. No quarto estava aquela senhorinha franzina, deitada com os braços sobre a barriga, quando me viu deu um sorriso meio decepcionado, como se não esperasse ninguém, apenas esperasse a morte. Sentei ao lado dela, e estendi a mão, ela me entregou sua mãozinha gelada e enrugada, sempre com o sorrisinho tranquilo, sorriso de quem sabia que o fim do sofrimento estava chegando. Senti um nó na garganta terrível, não quis chorar na frente dela, vontade não me faltou. Pensei que nada seria dito, mas ela conversou comigo, eu como sempre tentei parecer natural. 

- Oi minha filha. Jantou hoje? 

Respondi:

- Estava esperando bater a fome, ainda não senti.
- Olga você sabe que precisa comer.
- Sei ...

Chorei. A Senhora Bulamarque soltou da minha mão, pegou a pontinha do lençol e enxugou minhas lágrimas. 

- Não chore filhinha, vai ficar feia e enrugada como eu, se continuar chorando por qualquer bobagem.

Ela não era tão próxima a mim, mas sempre me ajudou, sempre se preocupou em saber como eu estava, era a única no mundo todo com interesse nas minhas necessidades, e eu só percebi alí, diante do seu leito de morte. 

- Você sabia que eu um dia tive um marido e um filho? - Continuou ela - Eles moravam comigo, em outra casinha, bem perto daqui, um belo dia saímos pra comer pastéis num quiosque próximo a nossa casa, e um bêbado qualquer veio e nos assaltou, atirou no meu filho, meu marido se jogou bem na frente da bala... Não preciso dizer que os dois morreram , não é? Cá estou eu, sozinha no mundo, creio que assim você já perceba. Mas agora minha filha, tudo vai mudar, eu vou encontrar com eles, e nós vamos continuar nossa vidinha bem de onda paramos, isso não é lindo? Eu acredito no Céu, no Inferno, Purgatório... Sei que vou encontrar meus queridos em um desses lugares, tô feliz sabe Olga? Morro de saudade deles.

Ela acreditava em felicidade após a morte. Senti inveja, eu não acreditava em felicidade nem durante a vida, imagina depois da morte. Viver iludido de alguma forma, mesmo que da forma mais idiota e boba do mundo é um conforto que eu desconhecia. Abracei a senhorinha com força, ela me abraçou de volta, fiquei exatamente naquela posição, até as 4 horas da manhã, quando o Senhor Onório entrou no quarto me agradecendo o tempo gasto, e dizendo que eu já podia ir pra casa. Quando cheguei na porta do quarto ouvi a vozinha da Senhora Bulamarque me dizendo:

- Boa noite minha filha, coma algo pra não passar mal.

Saí chorando, fui entrando em casa, batendo a porta com força, jogando os sapatos na parede, fiz tudo com muita, muita, muita raiva, até que cheguei ao meu quarto. Encontrei Inara e Cézar pelados, na minha cama, assustados com o barulho. 

- CARALHO INARA, NA MINHA CAMA? 

Gritei com todas as forças dos meus pulmões.

Nenhum comentário:

Postar um comentário