domingo, 30 de setembro de 2012

Capítulo 15

- Nossa, eu tenho mesmo que passar por isso?

Perguntei enquanto abria a porta do apartamento, sem olhar pra cara dela. Vendo que eu ia entrar sem dar atenção a sua baboseira, Inara segurou no meu braço e disse:

- Sim! E não desisto até você parar, sentar e me ouvir, até o fim.

Como eu pude me meter numa merda dessa? Parece que o mundo inteiro conspirava contra mim, desde o dia que nasci. Respirei fundo e percebi que não tinha escolha, ou eu falava com aquela chata, ou ela ia me infernizar em todos os lugares que fosse. Empurrei a porta e disse " entra aí " , com um ar bem escroto. Entramos e fui logo pegando meu cigarro, pra enfrentar aquele papo que já parecia que ia ser longo. Começamos de maneira ríspida ( eu comecei de maneira ríspida, ela ficou sendo a boa moça de sempre, com sua vozinha enjoada, doce,meiga e meio trêmula, talvez fosse pelo nervosismo de ter que conversar comigo sobre tal assunto).

- Você fuma desde quando?
- O que você queria falar comigo?
- Olga, é muito difícil tocar nesse assunto, acho que é constrangedor tanto pra você, quanto pra mim, mas quero que saiba que só estou aqui por que me sinto muito culpada com tudo isso, e quero que as coisas fiquem boas entre nós duas. 
- Prossiga, mas sem muito desse blá blá blá de culpa, por favor.
- Às vezes o mundo é uma grande porcaria Olga, mas isso acontece por que existem muitas pessoas ruins ...
- Espera! Tá me dizendo que o mundo é uma merda por que existem pessoas ruins? É isso o que tá dizendo pra mim? Mas me explica, essa conversa fiada vai chegar onde? Não tô com muito saco pra ficar aqui ouvindo coisas desse tipo, sabe? Se você tiver algo de concreto pra me dizer, então diz logo, por que preciso ir fazer outras coisas.
- Antes que você seja novamente grossa comigo, preciso que saiba que gostaria que me escutasse até o fim, mesmo que ache baboseira tudo o que vou dizer, escute tudo, até o fim e depois fale qualquer coisa que quiser.

Fiquei calada, e ela prosseguiu.

- Como eu ia dizendo, o mundo é ruim às vezes, por que pessoas ruins aparecem e nos fazem sofrer, mas o Cézar é diferente, sabe? Ele é uma pessoa realmente boa, é o tipo de pessoa que nasce pra fazer desse mundo um lugar melhor pra alguém, ou pelo menos pra fazer o mundo de alguém melhor. Ele apareceu pra mim, e me mostrou que tem coisas nessa vida que ainda valem a pena, admito que se não fosse por você eu jamais teria o conhecido, e te agradeço singelamente por isso, sério, graças a você eu conheci uma pessoa maravilhosa. O que aconteceu foi que nós nos identificamos de uma maneira inexplicável, nos apaixonamos, é um sentimento fortíssimo, e falo de atração física e emocional, o calor do momento nos fez fazer o que não devíamos, fomos pro seu quarto, na hora eu não pensei em nada, eu só queria estar com ele, sabe? Acho que ele sentiu o mesmo, pois também não exitou, eu não estava bêbada, nem ele, fizemos aquilo por puro calor do momento, a necessidade de ficar juntos naquela hora falou mais alto que qualquer decisão sensata que poderíamos tomar. Nós fomos a um restaurante, e na volta eu o convidei pra tomar um café aqui, mas juro que não tinha a intenção de transar com ele no seu quarto, era só o café mesmo. O resto você já deve saber. Estou aqui agora, pra te dizer que se você quiser que eu vá embora da sua casa, eu vou, agora mesmo se você decidir, pois a casa é sua e eu fiz uma coisa que não devia. Te peço desculpas pelo constrangimento, pelo ato libidinoso, pelo falta de sensatez, pela falta de consideração por você e pelo abrigo que você me deu quando precisei, e também por qualquer outra coisa que fiz e você não tenha gostado, estou profundamente arrependida de ter te sacaneado,aliás, estamos! Cézar também está arrasado com a situação. E quero que saiba que seja qual for a sua decisão, eu entenderei perfeitamente, e não terei mágoa alguma de você. É isso.

Mágoa? Porque ela teria mágoa? Eu não fiz nada a ela. Eu sou só a vítima de toda a sacanagem. Vítima! Vítima, gostei da palavra.

- Eu sou uma vítima Inara - Falei - Vítima da sacanagem de vocês dois, acho que vocês tem noção disso. Como você mesma disse, essa conversa é dificílima, e sinceramente eu não queria estar tendo-a agora, mas já que você veio até mim, e também está hospedada na minha casa, infelizmente preciso passar por isso. 

Levantei do sofá que sentamos e fui até janela, dei dois tragos no cigarro, enquanto olhava pelo vidro, e tomei minha decisão:

- Fique aqui até arrumar outro canto, como já tínhamos combinado, te desculpo pelo que fez, desculpo você e Cézar, mas espero que nem um episódio parecido volte a acontecer.

Inara deu um gritinho de felicidade, bateu palmas e falou que estava muito feliz por eu tê-la perdoado, fez o seu discurso de boa moça, dizendo que eu era uma grande amiga e perder minha amizade aquela altura da sua vida seria algo devastador. Puf. Essa puxação de saco me embrulhava o estômago. Ela levantou e falou que ia encontrar Cézar para contar a novidade ótima. Argh! Que menina chata. Logo depois que ela saiu me joguei no sofá, e fiquei me questionando o motivo pelo qual tinha aceitado que ela continuasse morando comigo, eu estava começando a pegar uma certa raiva daquela cara de boneca americana dela. Mas como sempre fui uma grande otária, fazendo o que não queria exatamente. Lembrei-me da senhora Bulamarque, tomei um banho, pus uma roupa preta, prendi os cabelos peguei minha bolsa, joguei meus cigarros que já estavam chegando ao fim dentro dela e fui para o apartamento da senhora Bulamarque. Todos ainda estavam lá, chorando a saudade da velha senhora, ninguém veio até mim dessa vez, nem a sobrinha dela, fiquei sentada num banquinho até a hora em que seu caixão chegou, aí foi aquela choradeira horrível, tinha gente desmaiando, tinha gente soluçando, tinha gente olhando pra cima, pra não ver o caixão. E eu? Fiquei no mesmo lugar, por pelo menos mais 35 minutos. Quando estava decidida a ir embora o senhor Onório chegou e sentou do meu lado,segurou minha mão e deu um sorriso frouxo, como se quisesse me dizer pra ficar com ele. Fiquei. Passamos maior parte do tempo calados, olhando pro chão, por várias vezes tive a impressão de que o senhor Onório chorava, pois ele passava os dedos debaixo dos olhos, como se enxugasse lágrimas. Levantei do meu banquinho e andei até o caixão, olhei bem para o rosto daquela senhora, sua expressão era de serenidade, usava um baton meio rosado, deixando sua aparência de vida bem resplandecente, parecia que dormia e sonhava com algo bonito. Fiquei feliz por vê-la tão tranquila, afinal, mostrava que sua morte não tinha sido dura e sofrida. Chorei também, não tinha como não chorar, era mais uma pessoa que eu perdia pra sempre, alguém que era bom pra mim, alguém que se preocupava em cuidar de mim, era triste. Visando todas as coisas boas que a senhora Bulamarque já havia feito por mim, decidi não ir no enterro, a imagem que eu queria que ficasse na minha memória era aquela que estava bem na minha frente, só acrescentei com a imaginação uma cama, ao invés de um caixão. Pronto. A última imagem que eu iria guardar daquela boa senhora era a imagem dela dormindo, sonhando com seu marido e filho, com um sorriso de alívio. Fui pra casa. Me joguei no sofá novamente e chorei todas as lágrimas que poderia existir dentro de mim, chorei até meus olhos doerem, fumei todos os cigarros que ainda me restavam e depois dormi. Sonhei que a senhora Bulamarque vinha até mim, e me dizia uma frase apenas, uma frase linda, que jamais irei esquecer: " Sonhe e acredite boa moça, você é capaz". 

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Capítulo 14

Eu não conseguia parar de gritar e olhar aquela cena dos infernos, os dois estavam alí na minha cama, sem roupas, usando o meu espaço íntimo para as intimidades deles! Tive vontade de arrancar aquela branquela pelos cabelos dalí, jogá-la pra fora do meu apartamento e dar um chute nos culhões daquele cara miserável. Se queria transar com ela, por que tinha que ser no meu quarto e na minha cama? Eles ficaram alí, tentando explicar, falando coisas sem nexo, enquanto eu gritava loucamente todos os palavrões que vinham a minha mente, sem pensar na cena ridícula que estava sendo protagonizada por mim. Essa foi a parte mais foda de toda a história, no fim das contas, quando tudo aquilo terminasse, eu que seria a maluca que grita e faz escândalos horríveis. Mas nada disso passou pela minha cabeça naquele momento de fúria, eu só queria xingá-los e fazê-los darem o fora da minha cama, e era só nisso que eu pensava. Continuei com os gritos.

- CARA, QUE MANCADA FOI ESSA? QUE PUTARIA! SIM, ISSO PRA MIM É PURA PUTARIA! POR QUE VOCÊS NÃO FORAM A UM MOTEL OU QUALQUER OUTRO LUGAR? TINHA QUE SER NA MINHA CAMA? E VOCÊ HEIN, INARA? SEMPRE TÃO SENSATA, ME FAZENDO PASSAR POR ESSA SITUAÇÃO? ISSO NÃO TE ENVERGONHA?

Eles ficavam lá, tentando se explicar de alguma maneira, mas só conseguiam gaguejar enquanto eu dava meu showzinho. 

- DEEM O FORA DO MEU QUARTO E DA MINHA CAMA AGORA MESMO! SAIAM DAÍ! TENHO CARA DE DONA DE MOTEL? POSSO TER CARA DE IDIOTA, MAS NÃO EMPRESTO MINHA CAMA PRA FILHO DA PUTA NEM UM TRANSAR. SAIAM!

Depois que eu disse - gritei - tudo isso, saí do quarto e me tranquei no banheiro, enchi a pia de água e enfiei a cara lá, eu chorava feito uma doida, e na minha cabeça tinha uma confusão de pensamentos que incluíam a Senhora Bulamarque, Inara e Cézar. Não sei ao certo quanto tempo fiquei no banheiro, mas quando saí de lá , nem Cézar e nem Inara se encontravam mais no apartamento. Achei melhor, muito melhor! Não tive coragem de entrar no quarto, deitei no sofá e acendi um cigarro, eu precisava do meu uísque, mas não tinha grana pra ele. Quando dei por mim, era de manhã, mais de meio-dia. Não fui trabalhar, nem me preocupei com isso, tomei um banho e fui até o quarto para me trocar. A cama ainda estava bagunçada, e parecia que o cheiro dos dois ainda estava no meu lençol. Abri a janela e joguei pra rua os lençóis e fronhas que eles usaram. Deixei a janela aberta, pra que o cheiro de foda saísse de uma vez. Me troquei rapidamente e fui até o apartamento da Senhor Bulamarque, saber de seu estado. Quem abriu a porta foi uma moça, devia ter lá pelos 22 anos. Foi educada, quando me identifiquei e disse o que queria, ela me convidou pra entrar, me ofereceu um café ou chá. Aceitei o café. Tivemos uma conversa rápida, ela me contou que era uma sobrinha da Senhora Bulamarque, e veio para esperar o resto da família, contou também que desde a morte de seu marido e filho, a Senhora Bulamarque se afastou de todos os familiares, e nunca contou a ninguém o local pra onde havia se mudado. Só dava breves telefonemas às vezes, mas que logo eram finalizados quando algum parente pedia o seu endereço. Contou também que estava triste com a situação, pois sua tia era uma mulher boa, não merecia tanto sofrimento. Pedi para ver a Senhora Bulamarque, mas a moça me disse que ela havia acabado de conseguir pegar no sono, achava melhor não atrapalhar. Concordei. Voltei pra casa, resolvi ligar pra lanchonete e dizer o motivo pelo qual não tinha ido trabalhar. Senhor Alberto me atendeu e eu contei sobre a velha senhora doente, ele entendeu e disse que não ia descontar o dia, achei maravilhoso. Quando fiquei com fome fui até a cozinha procurar algo pra me alimentar, havia um resto de risoto em uma panela, na certa Inara cozinhou antes do seu ato libidinoso da noite anterior. Esquentei e devorei tudo, assim que acabei de comer acendi outro cigarro, e sentei no sofá, liguei a tv e fiquei assistindo um filme antigo que estava passando, parecia que tudo tinha voltado pro seu lugar, nada de Inara, nem Cézar, nem doenças terminais, nadica de nada. Era só eu e meu cigarro. Na realidade aquilo era tudo o que eu mais queria, que todos sumissem e minha vida voltasse a normalidade dela. Chatisse ter que cuidar de todos esses problemas, chatisse ter que aturar um bando de gente hipócrita querendo se fazer de bonzinho, chatisse ver que gente boa de verdade tá morrendo, enquando esses filhos da puta aí continuam com saúde de ferro. Chatisse. Minha campainha tocou, e eu pensei seriamente em não atender, mas fazer o que né? Levantei e pude ver pelo olho mágico que era Inara, com aquele ar de coitadinha. Ah, cara! Podia ficar pior? O que mais essa mulher queria? Coloquei a mão na maçaneta. mas não abri, resolvi que não era a hora de ter que me dar com aquela situação. Logo Inara começou a bater na porta e me chamar pelo nome, não adiantou ficar só na campainha. Mesmo assim não abri a porta, e ela permaneceu batendo por uns 7 minutos, depois coçou a cabeça e saiu. Fiquei muito aliviada, muito feliz por ter ficado sozinha. Deitei no sofá e dormi, acordei com o barulho da campainha novamente, achei que era Inara, levantei disposta a abrir a porta e mandar aquela branquelo pro inferno, mas quando abri não era ela. era o senhor Onório, com os olhos cheios d'água, ele segurou minha mão e num ato de muito sofrimento balbuciou as seguintes palavras:

- A senhora Bulamarque se foi, Olga. Acabou de falecer.

Paralisei. A senhora Bulamarque havia morrido, e eu nem pude vê-la pela ultima vez, e agradecer por todas as coisas boas que ela já fez por mim. Apenas balancei a cabeça de maneira afirmativa e fechei a porta. Eu não sabia o que fazer a partir dalí, mas achei que ir até lá e confortar a sobrinha daquela pobre mulher seria a coisa mais digna naquele momento. Entrei no apartamento da senhora Bulamarque de cabeça baixa, já haviam levado o corpo da senhorinha para o necrotério, e também já haviam alguns parentes dela alí, todos choravam, inclusive a sobrinha dela. Sentei num canto da sala, enquanto via todas aquelas pessoas pegarem fotos da senhora Bulamarque e chorarem escandalosamente, alguns choravam baixinho, mas todos derramavam suas lágrimas de sofrimento. Como uma pessoa tão boa pode ir embora deixando tantas outras tristes e desoladas? Por que ela? Eu poderia muito bem ter ido no lugar dela, afinal, eu não fazia nada de mais, não ajudava ninguém, não causava alegria a ninguém, por que ela? Pobre senhora, pobre família. Senti algo quente no rosto, passei a mão e vi que era uma lágrima, eu estava chorando mais uma vez, o que não era muito normal, já havia chorado muito pra uma semana. A sobrinha da senhora Bulamarque veio em minha direção e se sentou ao meu lado, conversamos.

- Não precisa chorar, ela está bem agora. - Disse ela. 
- Como pode ter tanta certeza? 
- Agora ela está bem onde queria, com o seu marido e filho.
- Isso é bobagem...
- O quê é bobagem?
- Vocês ficam dizendo que vão encontrar seus familiares mortos e vão ser felizes. isso não existe! Como podem dizer algo tão , tão, tão idiota?
- É isso o que você acha? Que é idiota?

Balancei a cabeça afirmando a minha tese, enquanto a moça se levantou e deu 4 passos pra longe, depois parou, virou-se e voltou a sentar do meu lado, falando:

- Você pode achar uma idiotice, mas minha tia não achava, e tenho plena certeza que você não disse na cara dela que achava isso. Saiba que não me atinge e nem a atinge quando diz isso, cada um crê no que quer. Minha tia tinha um motivo para sorrir diante da morte. tinha a esperança de encontrar pessoas que a fizeram infinitamente feliz, e quando eles se foram o mundo de alegria dela se apagou, e tudo ficou cinza diante dos olhos dela. Por anos minha tia não teve a que se agarrar , a não ser em lembranças boas e singelas dos momentos tão contentes que teve com seus amores. Esperou seu momento de morte chegar como quem espera o nascimento de um filho, e quando esse momento chegou, ela estava serena, estava em paz, por que tinha esperança que em algum lugar do mundo havia um pedaço esperando por ela, pra que continuasse bem de onde parou sua vida, sendo feliz novamente. Se você não tem em que se agarrar, sugiro que procure logo logo, por que a vida da gente tem um fim, e viver de maneira automática, vendo os dias passarem sem esperar nada é muito triste. Então se você não tem nada que te faça sorrir em vida, então pense no que poderia te fazer sorrir após a morte, pode ser que lá tenha um lugar feliz esperando por você.

Se levantou e terminou seu discurso dizendo:

- Todo mundo tem seu lugar de felicidade, seja em vida ou em morte.

E voltou para os braços de seus parentes. Eu permaneci sentada, esperando as palavras daquela moça saírem da minha cabeça, mas não saíram, então fui pra casa. Quando cheguei na porta do meu apartamento vi Inara sentada no chão, junto à porta. Quando me viu, se levantou e sacudiu a saia, limpando a poeira. 

- Preciso conversar com você Olga. 

Aaaaah, saco de mulher!

domingo, 9 de setembro de 2012

Capítulo 13

O dia seguinte foi pesado, acordei com raiva da vida, com vontade de não existir, não sei se era ciúmes ainda, ou se era por falta da tequila, sei lá. Inara continuou dormindo, de ressaca, e eu fui me aprontar para o trabalho, não tomei café, mal penteei os cabelos, sei lá, queria que tudo se fodesse. Ao rodar a chave da porta vi o bilhete de Cézar novamente no chão, olhei pra ele por 6 segundos, e fui embora, no caminho pensei no quanto a situação era embaraçosa. em tudo o que estava acontecendo, comecei a me achar burra, como eu fui deixar Cézar olhar para Inara? Aquela moça tão linda que encantava todo mundo? Puf. Não faço nada certo. Cheguei na lanchonete de cara amarrada, não quis papo, não dei atenção para o Messias, não quis saber das fofocas matinais, só trabalhei, trabalhei e pensei. As horas passaram voando, era hora de ir pra casa, fui andando devagar, eu só queria pensar que talvez o Cézar não estivesse tão interessado assim em Inara, talvez fosse só uma empolgação... Mas quando lembrava do conteúdo do bilhete, pensava que era bem mais do que um encanto passageiro. Cheguei em casa e Inara estava sentada no sofá, pernas juntas, cabeça baixa e cabelos devidamente amarrados em um rabo de cavalo líndíssimo! Joguei a bolsa ao lado dela e sentei logo puxando assunto, tentando parecer normal.

- Nossa, tô exausta, muito trabalho hoje, muita coisa pra fazer, você faz falta naquele lugar! Acredita que até hoje não colocaram ninguém no seu lugar? 
- Verdade? - Ela disse, sem me olhar.
- Sim! Você pensa que mais alguém quer trabalhar naquele lugar, tendo o Messias como gerente e filho do dono? Não não não.

Percebi que Inara não estava normal, algo estava acontecendo, não perguntei, como já disse, não gosto dessas ondas de ficarem se metendo na minha vida e nos meus pensamentos, e por isso não meto nos pensamentos de ninguém. Tirei os sapatos e me preparei para levantar do sofá, Inara segurou meu braço com uma mão, e com a outra me entregou um papel, o bilhete de Cézar. Sabem o que eu fiz? Eu li novamente, fazendo cara de espantada e sorrindo ao mesmo tempo. Entreguei de volta o papel, abaixei-me, peguei meus sapatos e andei em direção ao quarto, Inara se levantou e disse:

- Olga, o que eu faço?

Respondi com naturalidade:

- Sobre o quê, mulher?
- Você não tá vendo que o Cézar quer me ver de novo? Tô com a consciência pesada, isso não era pra estar acontecendo.
- E por que não? É completamente normal um homem e uma mulher se interessarem um pelo outro, ou não vai me dizer que você gosta de ... cê sabe... tipo ...
- Tá perguntando se sou lésbica? Não! Tá maluca? É que você queria conhecer o Cézar, e eu fui querer dar uma força e agora o cara quer me ver e sei lá, isso pode te chatear.
- Inara, cala a boca, eu só queria devolver a caixa dele e por curiosidade vê-lo pessoalmente, não passa disso. Ok? Se você estiver com vontade de vê-lo, vá lá, se não quiser, dê o fora nele e ponto final. Eu não me importo de você sair com ele de novo, não tô afim dele, se é o que está pensando, estamos conversadas?
- Mas Olga, não está certo.
- Sabe o que não está certo? Você ficar me enchendo o saco com essa conversa de adolescente, sendo que eu não tô nem aí pra esse cara, nem aí pro fato de ele querer te ver e sei lá, isso nem da minha conta é! Liga pra ele e marca de sair, ir na rua é bom pra curar ressaca. 

Saí da sala de coração apertado, mas acho que consegui enganar e disfarçar bem. Me joguei na cama e chorei muito, não sabia o por que das lágrimas, mas elas rolavam e rolavam no meu rosto, não paravam, até que adormeci, sonhei com a casa onde morei quando criança, sonhei com a minha mãe, fui feliz no sonho. Acordei com o barulho da campainha, abri a porta do quarto bem devagar, abri o suficiente pra ver que era Cézar, fechei de novo. Chorei de novo. Pra quem estava com peso na consciência, até que dava pra suportar muito bem, já que na mesma noite ela ligou para o Cézar, e lá estava ele, de novo na minha casa.  Me questionei várias vezes se eu era burra assim mesmo, ou se aprendi a ser com o passar do tempo. Sei lá. Eles saíram, chorei de novo, não vi mais nada até o dia seguinte. Acordei e Inara estava dormindo ao meu lado na cama, não parecia ressacada, mas tinha um sorriso bobo, que parecia vir de um sonho bom. Diaba! Essa menina era uma Diaba! Eu estava bem antes de tentar ajudar essa vaca, e agora ela está roubando um homem que deveria ser meu! Respirei, depois comecei a rir. Que porra de '' meu ''? O cara não estava nem aí pra mim, mesmo que eu tivesse entregado a caixa pra ele, ainda sim ele não estaria interessado. O problema estava todinho em mim, eu que não era interessante, nem bonita, nem tinha uma luz vinda do olhar e nem nada desses blá blá blás que ele admirou em Inara. Trabalhar não me ajudava a esquecer os problemas, mas era o que deveria fazer, era minha obrigação. Caminhei lentamente até o banheiro, tomei um banho demorado e nem fui ver a hora. Quando saí do meu apartamento, dei de cara com o Senhor Onório saindo da casa da Senhora Bulamarque. Ele me cumprimentou com um singelo " oi ", e eu apenas balancei a cabeça. Na lanchonete era toda a mesma porcaria de todos os dias, mas com um pequeno detalhe que me deixou feliz: achei uma carteira inteirinha de cigarro em uma das mesas, algum cliente bobalhão deve ter esquecido. Fumei três cigarros no caminho de volta pra casa, satisfação boa a que o cigarro causava em mim. Cheguei em casa e não tinha ninguém, quer dizer, a senhorita '' olhar iluminado '' não estava. Fiquei tranquila, eu sabia onde ela estava e sabia com quem estava. Mais uns cigarros pra acabar com a fúria dos pensamentos escrotos. Cerca de meia hora depois ouvi batidas na porta, pensei que fosse Inara, até pensei em não abrir a porta, mas quando dei por mim estava lá, com a mão na maçaneta. Era o Senhor Onório. Assustei-me com a visita, quando queria me cobrar o aluguel deixava um bilhete ao pé da minha porta. Não precisei dizer nada, ele foi logo dizendo o que queria.

- Olga, sei que está meio tarde para pedir qualquer tipo de favor, aliás, está tarde até para bater na porta de uma moça solteira, mas é que realmente precisa da sua ajuda.

Abri a porta mais ainda, para que ele pudesse entrar. Sem rodeios ele foi logo entrando e terminando sua frase.

- A Senhora Bulamarque não está nada bem, está doente, e não tem parentes por aqui, tenho cuidado dela o máximo que posso, mas acho que está em fase terminal, preciso agilizar certas coisas, você sabe, caixão,funeral... Nossa, nem acredito que estou dizendo isso.
- Como assim? - Interrompi completamente espantada - O que ela tem? Por que não vai ao médico? Céus! Que doença ela tem?
- Já conversei muito com ela nesses três últimos dias, ela acha que já chega de tanto sofrer, estamos acreditando que seja algum tipo de câncer, que a faz despejar de volta tudo o que come. Na verdade, eu só vim até aqui te pedir para cuidar dela esta noite, por que preciso muito ir a procura de parentes ou conhecidos dessa pobre mulher.

Pensei por alguns segundos, era estranho, era amedrontador, eu não queria ver alguém tão legal comigo numa situação como aquela, mas também queria ajudar. Resolvi que ia, era algo que com certeza eu devia aquela pobre senhora, sempre tão generosa. Levantei do sofá acompanhada do Senhor Onório, ele me levou até o apartamento da Senhora Bulamarque e abriu a porta bem lentamente, me olhou com um olhar de agradecimento, entrei e fui andando devagar até o quarto dela. O apartamento inteiro estava gelado, como no filme '' O exorcista '', senti medo. No quarto estava aquela senhorinha franzina, deitada com os braços sobre a barriga, quando me viu deu um sorriso meio decepcionado, como se não esperasse ninguém, apenas esperasse a morte. Sentei ao lado dela, e estendi a mão, ela me entregou sua mãozinha gelada e enrugada, sempre com o sorrisinho tranquilo, sorriso de quem sabia que o fim do sofrimento estava chegando. Senti um nó na garganta terrível, não quis chorar na frente dela, vontade não me faltou. Pensei que nada seria dito, mas ela conversou comigo, eu como sempre tentei parecer natural. 

- Oi minha filha. Jantou hoje? 

Respondi:

- Estava esperando bater a fome, ainda não senti.
- Olga você sabe que precisa comer.
- Sei ...

Chorei. A Senhora Bulamarque soltou da minha mão, pegou a pontinha do lençol e enxugou minhas lágrimas. 

- Não chore filhinha, vai ficar feia e enrugada como eu, se continuar chorando por qualquer bobagem.

Ela não era tão próxima a mim, mas sempre me ajudou, sempre se preocupou em saber como eu estava, era a única no mundo todo com interesse nas minhas necessidades, e eu só percebi alí, diante do seu leito de morte. 

- Você sabia que eu um dia tive um marido e um filho? - Continuou ela - Eles moravam comigo, em outra casinha, bem perto daqui, um belo dia saímos pra comer pastéis num quiosque próximo a nossa casa, e um bêbado qualquer veio e nos assaltou, atirou no meu filho, meu marido se jogou bem na frente da bala... Não preciso dizer que os dois morreram , não é? Cá estou eu, sozinha no mundo, creio que assim você já perceba. Mas agora minha filha, tudo vai mudar, eu vou encontrar com eles, e nós vamos continuar nossa vidinha bem de onda paramos, isso não é lindo? Eu acredito no Céu, no Inferno, Purgatório... Sei que vou encontrar meus queridos em um desses lugares, tô feliz sabe Olga? Morro de saudade deles.

Ela acreditava em felicidade após a morte. Senti inveja, eu não acreditava em felicidade nem durante a vida, imagina depois da morte. Viver iludido de alguma forma, mesmo que da forma mais idiota e boba do mundo é um conforto que eu desconhecia. Abracei a senhorinha com força, ela me abraçou de volta, fiquei exatamente naquela posição, até as 4 horas da manhã, quando o Senhor Onório entrou no quarto me agradecendo o tempo gasto, e dizendo que eu já podia ir pra casa. Quando cheguei na porta do quarto ouvi a vozinha da Senhora Bulamarque me dizendo:

- Boa noite minha filha, coma algo pra não passar mal.

Saí chorando, fui entrando em casa, batendo a porta com força, jogando os sapatos na parede, fiz tudo com muita, muita, muita raiva, até que cheguei ao meu quarto. Encontrei Inara e Cézar pelados, na minha cama, assustados com o barulho. 

- CARALHO INARA, NA MINHA CAMA? 

Gritei com todas as forças dos meus pulmões.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Capítulo 12

Juro que por um momento senti vontade de sair correndo daquele apartamento, correr pra bem longe, onda nem Inara, nem Cézar e nem ninguém pudesse me ver. Só de olhar pra ele comecei a soar, sem saber o que dizer, e mesmo que soubesse, não iria conseguir falar nada, já que a minha língua estava trêmula demais para balbuciar qualquer palavra que fosse. Cézar e Inara se olharam, e depois Inara me olhou, como se dissesse com os olhos: " Fala alguma coisa , sua anta! ". Eu voltei ao normal, sorri e apertei a mão dele, com força, depois vi que estava usando força demais, afrouxei o aperto, depois vi que estava usando força de menos, resolvi largar a mão dele. Ele sorriu, deve ter percebido a mancadinha, mas ora bolas, fui pega de surpresa! 

- Senta Olga, vem tomar um chá com a gente. 

Inara disse apontado o canto do sofá que ficava bem ao lado de onde Cézar estava sentado. Sentei, ele sentou de novo, levantei e dei dois passos. Inara me perguntou onde eu ia, respondi:

- Vou pegar uma xícara pra acompanhar vocês no chá! 
- Eu pego pra você. 

Disse ela, me empurrando de volta pro lugar onde eu estava. Nos deixou alí sozinhos, e eu não sabia o que dizer, não sabia como agir, esperava que Cézar não dissesse nada, mas ele disse, e tive que responder, tentando parecer natural, suando feito uma porca, horrível.

- Então você conheceu Inara na lanchonete onde ela trabalhava, é isso mesmo?
- Isso mesmo, eu trabalho lá, ela não trabalha, quer dizer, trabalhava, agora não trabalha mais lá, isso por que ela trabalhava mas pediu demissão, então ... sim.

" Que merda foi essa , cara? ". Esse foi o meu pensamento assim que calei a boca, e tenho certeza plena que foi o pensamento de Cézar também. 

- Seu apartamento é muito aconchegante, sabe? Achei agradabilíssimo! 

Nossa, por que ele não cala a boca? Precisa mesmo forçar essa interação social completamente desnecessária? Respondi com um '' obrigada '' forçado, sem graça. Eu sabia bem que ele estava apenas sendo gentil comigo, eu não sou louca, sei que meu apartamento não é nem um lixão, mas " aconchegante e agradabilíssimo " já é demais! Puta merda,hein? 
Inara voltou pra sala rindo e nos contando que escorregou e caiu no chão, e quando foi se levantar bateu com a cabeça no armário, imediatamente Cézar começou a rir junto, como se tivesse visto a cena toda. Eu ri também, mas também pensei que a culpa era dela, afinal, quem foi quem encerou todinho o chão? E assim o papo seguiu, eles conversavam e riam, Inara sempre tentava me introduzir na conversa, eu falava pouco, ria pouco, não olhava diretamente nos olhos dele, queria que ele fosse embora. Inventei uma dor de cabeça, pedi mil desculpas,disse que ia tomar um remédio e dormir pra acordar disposta no dia seguinte, me despedi, agradeci a visita e saí. Os dois ficaram lá, deitei na cama e coloquei o travesseiro na cabeça, tentava abafar o barulho das risadas deles, e até ouvi uns barulhos de copos, pareciam taças, acho que compraram vinho, sei lá, não queria mais ouvir. Quando ouvi a porta da sala batendo levantei pra ir até o banheiro, dei de cara com Inara, ela estava com os olhos vermelhos, parecia meio bêbada. Tivemos uma breve conversa.

- Ah, acho que bebi demais, preciso de um banho...
- Eu ia até o banheiro, mas espero você terminar.

Antes de fechar a porta do banheiro Inara me olhou, e eu não contive minha curiosidade e perguntei: 

- Você bebeu chá demais e por isso está assim?
- Não, o chá foi só no começo - respondeu ela - depois nós abrimos um vinho que Cézar trouxe, acho que exagerei um pouco, está tudo rodando sabe? Nossa, fazia um tempo que eu não bebia vinho, está tudo muito engraçado.
- Tome o seu banho, depois te ajudo a chegar na cama tudo bem?
- Tudo bem. 

Ela fechou a porta e eu fui para a sala, sentei no sofá e coloquei as mãos no rosto, fechei com muita força os olhos, acho que estava com inveja da felicidade momentânea que o vinho causou em Inara. Foi aí que ouvi um barulho, um barulho quase imperceptível aos ouvidos de uma pessoa, o barulho de um papel arrastando no chão. Levantei a cabeça procurando de onde vinha aquele som, meus olhos deram de encontro a porta de entrada do apartamento, e sim, o barulho vinha de lá, havia um papel em baixo da porta, fui ver e era um bilhete, abri , por que eu ia esperar? Se estava na minha porta então era pra mim. Não era. Adivinhe só pra quem era ... 

" Inara, adorei a noite, me diverti bastante, espero repetir essa sensação tão boa que sinto quando converso com você. Espero que você não fique achando que é apenas mais uma cantada de homem, mas sinceramente adorei ter conhecido você, e quero te ver muitas outras vezes. Você já tem meus números, eu gostaria que me ligasse, caso sinta a mesma vontade de me ver ou de apenas conversar comigo pelo telefone. Você tem uma luz que jamais encontrei em pessoa alguma, não me prive dessa iluminação tão maravilhosa que vem do seu olhar. E se você não quiser mais me ver ou falar comigo eu vou entender, e te agradeço desde já por toda a atenção e por ter me devolvido minha foto e minha caixinha , mas eu sinto que vamos nos ver de novo, sei que é recíproco o sentimento de conforto causado quando estamos juntos. Me ligue, vou esperar todos os dias, por que sei que você vai ligar, sinto isso com todas as minhas forças. Você é lindíssima, tenha um resto de noite confortante e feliz, assim como o meu será,por que lembrarei do seu sorriso até pegar no sono. 

P.s: deseje melhoras a dor de cabeça da sua amiga .
Cézar.  " 

Então era isso, nem nome mais eu tinha, eu era só a amiga da Inara, a mulher com um olhar iluminado e uma luz própria que causava conforto. Duas conversas, e ela já era a mulher mais especial que ele conheceu. Eu disse em voz baixa : " Idiota! ". Só não sabia se estava dizendo aquilo pra mim, ou pra ele. Coloquei o papel de volta perto da porta, Inara não precisava saber que eu tinha lido. Eu não queria ter lido. Ela saiu do banheiro, eu a ajudei a se vestir e deitar na cama, ela logo dormiu, ao contrário de mim, que fiquei batutando em como seria a reação dela ao ver o bilhete de Cézar. Várias vezes pensei em ir até lá e rasgar o bilhete, ela nunca iria saber. Mas se eu fizesse isso não seria ético da minha parte... se bem que eu já não tinha ética por natureza mesmo. Nessa indecisão acabei dormindo, o que não deveria ter acontecido.